segunda-feira, 12 de junho de 2017

Sobre Velocidade






Antônio Candido de Mello e Souza (1918-2017) foi um importante sociólogo, literato e professor universitário brasileiro, amplamente reconhecido no meio acadêmico, razão pela qual foi agraciado com diversas honrarias. Faleceu em 12 de maio próximo passado, aos 98 anos de idade. Não conheço sua obra, mas o editorial de sua neta Maria Clara Vergueiro, publicado na Folha de São Paulo de hoje (22/05/17), merece destaque. Dele retiro algumas importantes passagens para aqueles que necessitam de vida interior.

Ela narra que seu avô teria lhe dito, certa vez: “nasci em um mundo, me desenvolvi em um outro, e agora estou neste terceiro, que eu não compreendo, do qual não sou parte”. Ela teria anuído com o pensamento e acrescentado que também não se adaptava à velocidade do mundo atual. Nesse contexto, ela complementa que “o mundo do meu avô era meu preferido”. Mas qual razão a motivou a nos confessar algo tão íntimo?

Nas mesmas linhas da matéria encontra-se a resposta: uma pessoa que, afora sua vida intelectual, manteve estreita relação com suas experiências, pautando-se por nobres ideais de vida, como a generosidade e a solidariedade, o que, ao fim, arrebatou todos ao seu redor. Aqui, sublinho o fato de que sua vida intelectual certamente teve seu valor (reconhecida pelas honrarias recebidas, como já dito), mas o que fez a real diferença em seu caminho foi sua vida interior, que transbordou e serviu de motor à transformação de muitos ao seu redor.

Hoje vivemos em um mundo veloz, acelerado, em todos os sentidos. Não há tempo para pausa, observação, contemplação, reflexão e amadurecimento. Mas como isso é possível se os fenômenos astronômicos que regem o nascer e o pôr do sol continuam os mesmos? O dia sideral continua tendo 24 horas (mais precisamente, 23 horas, 56 minutos e 4 segundos)! Jorge Angel Livraga nos responde quando diz que “a aceleração dos tempos está em relação direta com o foco de observação e com o acúmulo de dados e experiências” ligadas a estes foco. Assim, os “seres vivem aceleradamente e de mudança em mudança, o que lhes dá uma ilusão de maior aceleração”.

Então, eis a pergunta essencial: qual é nosso foco? Uma resposta honesta é capaz de gerar grandes transformações, pois determinará em que velocidade seguirá...

Estou focado em ganhar mais dinheiro e ter mais bens? Em ter mais status? Em ascender socialmente, ou no trabalho? Estou focado em cumprir convenções sociais despidas de qualquer sentido ou profundidade? Bem, tudo isto não depende de nós, como nos ensina Epícteto (55 d.C. – 135 d.C.), em sua obra “A arte de ser feliz”. Bens materiais, honrarias e reconhecimentos são passageiros e, mesmo que os tenhamos logrado, por mérito próprio, podemos não tê-los mais no dia seguinte, simplesmente porque não depende de nós. Ainda resiste em aceitar esta ideia? Pergunte à morte, então, se ela recolhe isto juntamente conosco...

Por sua vez, a vida interior - aquela que se preocupa em conhecer a si próprio como porta de conhecimento para os segredos dos Deuses e do Universo (pensamento inscrito na entrada do Templo de Delfos) - não está sujeita às velocidades do mundo cotidiano, simplesmente porque trata de importantes temas atemporais, relativos à construção do próprio homem, à criação de sua identidade, a partir de uma consciência elevada.

São nos cenários externos em que atuaremos, mas com o diferencial da necessidade de construção de uma relação válida e profunda com tudo que experienciamos, o que requer virtudes, como as citadas por Maria Clara a respeito de seu avô (generosidade e solidariedade). Isto leva tempo, requer comprometimento, disciplina e muitas outras virtudes. Em contrapartida, gera uma vida plena, abastecida por ricas relações construídas. Isto sim depende de nós e não nos pode ser tirado.

Assim, nossas relações devem ser de Alma para Alma, com o mínimo possível de interferência de nossas personalidades egoístas. Tenhamos o cuidado de falarmos sempre com o coração, e para outro coração; eles se entenderão, certamente. É a aplicação do conceito mais amplo da palavra Namastê, da tradição oriental: “o Deus que habita meu coração, saúda o Deus que habita seu coração”. Isto é uma missão de vida, que não conhece a velocidade e a aceleração de um mundo não refletido, vazio em sua essência... 

Delano Lisboa
Membro voluntário de Nova Acrópole

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