Esta manhã, ante o espelho, passei alguns
minutos brincando com meus cabelos brancos; e brincar é o verbo correto a
empregar aqui, pois parecia uma criança curiosa diante da descoberta de um
brinquedo novo.
Desde os 18 anos de idade, por gosto pessoal,
sempre tingi meus cabelos, e esse hábito retardou a “grande descoberta”. Tudo
começou precisamente num dia em que, vendo se já era hora de renovar a pintura,
examinei e percebi que vinham lá não apenas cabelos escuros, como sempre, mas
alguns diferentes, absolutamente prateados. Fiquei tentada a desacelerar o
ritmo do retoque da tintura para receber os visitantes, deixa-los crescer, pois
queria vê-los e saborear a novidade.
Hoje, finalmente, eu os esticava diante do
espelho, já grandinhos e numerosos (vieram em bando!) e curtia esta visão: será
que a natureza está querendo sinalizar, com isso, que estou ficando... madura?
Em outras palavras, mais poéticas, que o outono já vai avançado, e que se
aproxima o inverno? É esse o recado?
Mas... e o que fazer com a vontade persistente
de amassar o nariz contra a vitrine das lojas de brinquedos para ver as
novidades, especialmente quando se aproxima o Natal? E as sessões furtivas de
desenhos da Disney, com uma panela de pipocas no colo e cantarolando as
musiquinhas? E a vontade de fazer traquinagens, quando alguém dá uma
oportunidade? E a de correr e rolar com os cachorros quando tem manhã de sol?
Tudo é tão forte e vivo em mim como sempre foi; isso é... imaturidade?
Ante o espelho, eu brinco de esticar fio por
fio dos cabelos brancos e de imaginar qual experiência me rendeu cada um deles.
Ao fazer essa relação, percebo que tantas destas experiências foram tão
valiosas que, se o preço que me cobram por tudo que me deram de possibilidades
interiores foi apenas um fio prateado em minha cabeça, elas saíram
incrivelmente baratas, o que torna a vida... um excelente negócio!
Mas não teria sido assim, talvez, se eu não
tivesse procurado (e ainda procuro!) aplicar o mais rigorosamente que me foi
possível o preceito filosófico de não permitir que os fatos gerem traumas, e
sim aprendizados; que não fechem possibilidades, mas, pelo contrário,
franqueiem novos caminhos, o que dá a tudo um sabor de começo, de novo degrau,
com ar mais rarefeito e puro, que enche os pulmões de vida e que renova. Talvez
seja isso a tal “maturidade”: um outono que carrega uma bagagem relativamente
grande de momentos de primavera. Tudo isso, os caminhos abertos e o compromisso
assumido de atravessá-los até onde se elevam em novas provas e novos desafios,
foi um pacto firmado com a vida e selado por um fio de prata. Trago, assim, em
minha cabeça, uma biblioteca particular e portátil, um verdadeiro diário de
viagem criptografado em fios prateados.
Não se entenda com isso que eu não vá
submergi-los, a qualquer momento, na tintura que espera por mim e por eles, no
armário do toillete; as exigências da estética feminina acabarão por me
forçar a isso. Mas aí é que a “traquinagem” terá mais sabor, pois estarão
camuflados, e ocultarão meus segredos, que só eu e eles conhecemos, gravados em
sua alma prateada, por trás da tintura, e na minha alma, que, sabe-se lá se
também não é cor de prata, pelo efeito do brilho das numerosas estrelas que
guardo dentro dela.
E continuarão a ter espaço, na minha rotina de
mulher madura, os brinquedos, cães e manhãs ensolaradas, pois não me dedico a
eles por falta de coisas sérias para fazer, mas, pelo contrário, por, depois de
tantos caminhos percorridos, tê-los escolhido, dentre as coisas mais sérias que
há para se fazer, nesta tão especial e rara arte de viver, a cujo cultivo os
“maduros” se aplicam...
Lúcia Helena Galvão
Diretora Adjunta de Nova Acrópole
luciahga@hotmail.com
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